quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Bicho de estimação

Crio dentro de mim um animal de estimação.
Ele não late, não mia, não pia, não faz barulho algum.
É tão pequeno que não cabe na visão.
É um bicho sentimental e genioso.
E eu o alimento, porque não aguento quando ele começa a chorar.
Sou manteiga derretida.
É meu amigo de data mais longa.
Nasceu comigo, mas não morrerá comigo.
Quando eu me for, ele viverá no amigo.
Viverá na família: nos filhos, nos irmãos.
Meu bicho de estimação não se apega à reputação.
Consome as minhas entranhas, como a criança devora o doce.
É feroz, ávido por comer-me a alma até a última migalha.
E, por mais que esse bicho seja assim tão difícil de se criar, eu o nutro.
Porque aprendi a amá-lo.
É meu algoz e também é minha força motriz.
Me faz chorar e também me deixa feliz.
Me põe irritadiço e também me acalma
O bicho no pé da minha alma.
Crio um animal de estimação dentro de mim.
É um poema, uma obra que não há de sair do eu-lírico.
Há de permanecer no eu-onírico.
É meu poema mais bonito, escrito enquanto eu vivo.
Quando eu me for, será a flor do meu túmulo, os dizeres da minha lápide.
Quando eu me for, será o guardião do meu sono.
Quando eu me for, será a memória e a saudade.
O bicho no pé da minha alma será o que de mim restará.
Para desenterrar-me, não será preciso pá.
Basta encontrá-lo, encará-lo, decifrá-lo.
O bicho no pé da minha alma é meu poema não resolvido.

Guilherme Ferreira Aniceto